Reportagem : Partida das Naus
Despedidas em Belém
Hoje, dia 8 de Julho de 1497, dia histórico para Portugal, encontro-me aqui, no areal da Praia de Belém, para assistir à largada da armada de Vasco Gama para a Índia.
O ceú está limpo, o sol estende os seus raios pelas águas da foz do Tejo e pelo areal dourado. Uma brisa suave faz ondear os estandartes e as bandeiras que, com as suas cores, dão um colorido à paisagem. São três as naus que irão desbravar o mar desconhecido: a nau S. Gabriel, capitaneada por Vasco da Gama; nau S. Rafael, cujo capitão será Paulo da Gama e a nau Bérrio, dirigida por Nicolau Coelho. Há ainda uma naveta de mantimentos para três anos: biscoitos, feijão, carnes secas, vinho, farinha, azeite, salmouras e outras coisas de botica.
Há uma grande azáfama nos preparativos, os nossos jovens, matelotes e soldados, embora conscientes dos perigos desta viagem para o desconhecido, estão motivados e prontos para seguir Vasco da Gama para toda a parte. Está cá toda a sociedade representada: desde sua alteza o rei, D. Manuel, o clero, a nobreza até ao povo. A multidão cobre o areal: crianças, mulheres e velhos. São os que ficam.
Neste preciso momento, sai uma procissão da ermida de Nª Sra de Belém, que conduz os mareantes até aos botes que os levará às naus engalanadas e ancoradas ao larga da baía do Restelo, com as novíssimas madeiras envernizadas. Mas antes os marinheiros ouviram missa, comungaram, preparando as suas almas para o que der e vier.
Agora dirigem-se em procissão para os bateís. Ao meu lado ouço num desabafo «Ai, meu querido filho, não te vou ver mais... Preciso de ti, quero que me ampares nesta minha velhice! o ambiente é pesado, tenso, cheio de sussurros, entrecortados de lágrimas e choros. Observo uma donzela em cabelo que diz « Porque te vais e me deixas, mísera e mesquinha, deitando ao vento nosso amor, nosso vão contentamento?»
O capitão-mor Vasco da Gama decide embarcar rapidamente, sem mais demoras, para não tornar mais difícil este momento para todos. Dá ordem para desfraldar as velas e levantar âncora. « Boa viagem !» gritam os que ficam. Há acenos de despedida e todos os que ficam choram copiosamente, encomendando a Deus e tecendo juízos de valor de acordo o que cada um sente.
Nisto, um velho de aspeito venerando, mas com ar experiente grita « Ó Glória de mandar, ó vã cobiça/ Desta vaidade a quem chamamos Fama ? Que castigos tamanhos e que justiça / Que mortes, que perigos que tormentas/ Que crueldades neles experimentas !», mas as pessoas à volta nada respondem. Uns veem esta expedição com bons olhos: as especiarias, o ouro, pedras preciosas traz uma vida melhor.
As naus já vão lá longe no horizonte distante. A multidão começa a dispersar.
Alguém questiona, em jeito de dúvida « Valerá a pena ? » Outro responde « Tudo vale a pena se a alma não é pequena !»
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